sábado, junho 12, 2010

Antes que se apague a vela

Quão perturbador é o momento quando, findo o dia, nos preparamos para dormir. Todo o peso do dia ainda jaz em nossos ombros e somam-se a ele as preocupações do dia seguinte. E nessa batalha entre o passado e o que virá, sofre nossa consciência, que torna-se incapaz de abandonar-nos para permitir o repouso que tanto esperamos.

E há em mim, ainda, uma aflição que me acompanha desde a mais tenra idade - um sofrer por antecipação - advindo da vã tentativa de prever o que, vindo junto com a escuridão da noite, me perseguirá, atingirá e consumirá até a minha última gota de razão e, da loucura já estabelecida, do devaneio, surgirão as mais doces ilusões, deliciosas mentiras extraídas de uma fria e inconstante verdade. Se em meu íntimo, entretanto, se confrange o coração, da verdade escarrada surgem os mais temíveis e sombrios pesadelos. E enquanto não vem sonhos ou pesadelos, preocupo-me com qual deles dormirei esta noite.

Então estou eu pronto para dormir, recostado sobre meu leito à espera de Hipnos e Morfeu, pensando o antes, o amanhã e o que me ocorrerá entre eles. E, nesse momento, começo uma viagem mental de múltiplos destinos, e dispara meu cérebro em fatos, tempos, nomes e lugares que ocupam minha mente por milésimos de segundos até que me alcancem novos fatos, tempos, nomes e lugares. E fico perdido na efemeridade desses pensamentos por não sei quanto tempo até que as interrompa um achado qualquer sobre o qual meu cérebro repousa concentração. Este pode ser qualquer coisa. Um objeto, uma palavra, uma pessoa. E concentra-se meu cérebro nesse achado por algum tempo e são tão aleatórios os pensamentos que o acompanham que somente a loucura justifica a relação entre eles.

De repente, surgem as mais longas reflexões sobre tudo o que me parece real àquele momento e entrego-me à tais reflexões. Longos monólogos sobre as mais variadas coisas. E nesses, totalmente extraídos de qualquer traço de razão, encontro as mais fascinantes verdades sobre mim. Descubro, na insanidade, tudo o que rege minha mente sã.

Então estou eu pronto para dormir, recostado sobre meu leito à espera de Hipnos e Morfeu, pensando o antes, o amanhã e o que me ocorrerá entre eles, descobrindo na loucura o que minha razão esconde. Mas é chegada a hora de dormir e, com esforço, afasto tudo quanto pensamento, tomo o castiçal e, antes que se apague a vela, aprecio a sua chama que, como se já estivesse tão cansada quanto eu, paira imóvel sobre o pavil. Entrego à chama meus últimos pensamentos e apago-a.

Na escuridão, já não há peso nos ombros. Já não há preocupações. O que há são sonhos ou pesadelos. A verdade, a mentira e minha essência.