sábado, janeiro 16, 2010

Caleidoscópios e Hipérboles

Hoje, após muito tempo, vi o sol nascer. Gostaria que essa crônica fosse uma ode a tão intensa estrela, mas não será. Isso porque, ao invés de um maravilhoso espetáculo qual eu vira a algum tempo atrás, só vi certo desponte, escondido entre prédios e nuvens, com a fraca luz escapando por algumas frestas. Não reconheci a cena.
O sol que nasceu hoje foi o mesmo que me comoveu sete anos atrás (os astrônomos discordarão, dirão algo sobre massa de hidrogênio e superfície instável, mas o texto é meu e não deles). Os edifícios tampouco mudaram nesse período. O que não reconheci foram as nuvens. Não as que cobriam o sol, essas eram as mesmas, mas as que cobriam meus olhos. As que me fizeram enxergar tudo como se assistisse à uma adaptação barata de uma boa peça.
E isso me revolta e entristece. Sempre me orgulhei de enxergar tudo diferente, exagerado, caleidoscópio e hiperbólico, como sugeri no título. E não sei o que mudou mas, hoje, percebi, pela primeira vez, estar banalizando o mundo. E me preocupa imaginar o que me será indiferente amanhã. Que evento será, amanhã, incapaz de tirar-me o fôlego? Pela primeira vez convivo com a cegueira cotidiana que expunha naquelas ridículas redações de pré-vestibular.
Sei que minhas personagens sempre parecem entediadas e descoloridas. Banais. Mas isso não vinha de mim. A mudança drástica, a epifania, o fim que, apesar de soar trágico, de alguma forma era sempre melhor que o começo. Esses eram os trechos com que me identificava. E gostava disso. E achava possível permanecer assim. Hoje, entretanto, vi o sol nascer e não me pareceu digno de um mero suspiro que fosse.
O mais assustador para mim não é apenas a nuvem a cobrir meus olhos, mas a vulnerabilidade que em mim ela demonstra. Sempre achei que esses olhos diferentes (não os mípes, mas os lúdicos e infantis) fossem algo meu. Uma característica. Uma marca. Hoje percebo meu engano. Percebo que não será assim para sempre. Como enxergarei as coisas semana que vem? Até quando verei diferente?
Outro pensamento sombrio veio-me agora. Gosto muito de escrever e sei que, para fazê-lo, dependo de meus olhos mais que de minhas mãos. E a banalidade, antes mazela alheia, parece-me agora um abutre a pairar por mim, esperando um descuido para arrancar-me os olhos.
Como tinha sorte Blimunda. Bastavam um filão de pão e o virar da Lua para perder a vista, ao menos a especial. Entretanto, bastava o estômago vazio e outro virar de lua para tornar a ver tudo como antes. Não digo que estou num caminho sem volta, mas sei que o esforço em manter-me longe do banal será sempre maior que a recompensa. E a que custo lutarei essa batalha? Como estarei ao fim dessa guerra?
Espero um dia, quem sabe esse ano ainda, assistir outro por-do-sol. E espero que este tire meu fôlego. Que inspire-me a escrever. Não sobre banalidades e frustrações, mas sobre tudo aquilo que só meus olhos poderiam ver no simples nascer do sol.

terça-feira, janeiro 12, 2010

Metalinguagem

O sol forte em vão tentava tirá-lo dessa clausura voluntária. O vento soprava "Saia!" por entre as frestas desse quarto. E parecia alheio a tudo o que o cercava. Tudo exceto uma folha branca poeticamente posicionada no centro do cômodo. E a alvura da folha era incômoda e, ao mesmo tempo, fascinante.
Um simples papel em branco. Uma folha limpa de idéias, pensamentos, palavras. E havia algo dentro dele - certa inquietude crescente - que o impelia a manchar essa tão imaculada presença. Tanto havia que poderia ser escrito! E começou a escrever. Escrever tudo. E cada palavra era escrita com seu próprio sangue. E tudo era trasferido para a folha: Suor, sorrisos, lágrimas, seu corpo e sua alma. Pouco tempo depois e já era ele também a folha. E não há como explicar ele todo caber em tão pequenas dimensões, mas qualquer um que visse aquele pedaço de papel veria ele por completo.
Isso o assustava. Percebera que escrever tornara-o extremamente vulnerável. Cada pensamento, cada batida de seu coração poderiam ser percebidos por quem quer que tomasse o papel nas mãos. Não poderia suportar a idéia de alguém chegar-lhe tanto ao íntimo. Precisava desfazer-se da folha. Rasgá-la, Queimá-la ou o que fosse preciso para proteger-se. Seria, entretanto, como amputar um membro sadio. Não teria coragem para fazê-lo.
Começara a se arrepender de ter cedido ao impulso de arrancar da folha aquela pureza insuportável. Escrever fora extremamente prazeroso mas, agora, o que fazer com o que foi escrito? Um turbilhão de pensamentos tomaram conta dele. E esses pensamentos sopravam-lhe idéias. Percebera, então, que escrever não fora um problema. E mais: não se importava que o julgassem após enxergarem-no tão profundamente.
Entregou-se à folha. A folha entregou-se a ele. Consumaram o casamento e, alguns meses depois, nasceu um blog.