terça-feira, fevereiro 09, 2010

Conto de Fadas

Era engraçada a sensação. Tudo parecia mero eco de existência. Como em um sonho, em que seus sentidos parecem adormecidos e, por mais que você se esforce, nada é capaz de ser focado.
O ambiente lúdico era digno de filme de fantasia infantil. Era definitivamente uma sala e, ao mesmo tempo, claramente uma floresta. O chão era revestido por um piso xadrez formado de linhas curvas e disformes. As paredes pareciam feitas de troncos de árvores. Não havia teto. Apenas o céu estrelado, sem lua ou nuvens. Por todo ambiente pairava uma névoa pouco densa, parecida com a utilizada em filmes classe B para ilustrar um sonho. A sala estava repleta de objetos absolutamente fora de proporção: de cadeiras que mal caberiam formigas a garfos que poucos gigantes conseguiriam manusear. De certos pontos do chão irrompiam árvores, gramíneas e flores tão fra de proporção quanto os objetos. Por um longo tempo ele ficou admirando a cena. A esse ponto, um coelho poderia correr apressado com um relógio de bolso que não o espantaria.
Adomercida, no centro da sala/floresta estava ela. Parecia uma Branca de Neve envenenada, só que trazia no semblante uma expressão de sofrimento e o corpo coberto de feridas, algumas de aspecto tão pútrefo que sentia náuseas só de olhar tais feridas.
Ficara dividido. Lembrava dela de outros sonhos, só que sempre cândida e imaculada. Agora, vendo a miserável criatura que um dia pertenceu a tão belos sonhos, não conseguia decidir entre salvá-la ou deixá-la.
Em brevíssimos momentos de decência, sentia uma onda de adrenalina impeli-lo na direção do pobre ser. Entretanto, tão logo os olhos caíam nas nódoas amareladas, travavam-lhe os músculos e retornava lentamente à posição inicial, onde a terrível visão não mais pertubaria sua alma.
Talvez devesse esperar o fim do sonho. Seria isso um sonho? Sua própria covardia trazia-lhe certa náusea. Por que diabos, homem, vendo a donzela em perigo, recua e repele-a? Moveu-se pouco em direção à um-dia-bela dama. E ficou ali, parado, observando a agonia que contorcia a face dela. Talvez se não olhasse as feridas. Se tentasse aproximar-se lentamente. E, enquanto observava a cena, novas nódoas iam surgindo na superfície daquela pele pálida e macilenta.
Tão nefasta criatura merece a morte como amante, e não a mim. Talvez essa fosse a razão da aparência horrenda. Estaria ela entregando-se à morte? Fazia pleno sentido essa hipótese, afinal, quem nesse ambiente haveria para transportá-la dos altares de seus sonhos para esse leito, pedra de sacrifício, senão ela mesma?
De repente, veio uma sensação de que não acordaria até decidir o que fazer. Teve medo. E se esse pesadelo voltasse a ocorrer? E se essa ex-bela donzela estivesse decidida a castigá-lo, pela eternidade, por sua covardia? Movê-la, retirá-la daquela pedra não trazia a certeza de ter de volta a bela donzela. Entretanto, quem havia para garantir-lhe que, se recuasse, o sonho não tornaria a ocorrer? Decidira-se. Mataria a patética figura.
Tomou o punhal e aproximou-se do leito frio da donzela que, a esse momento da história, já mostravasse mais aparentada com a bruxa que com a rainha. Mirou o coração e acertou um golpe veloz e firme.
Uma calmaria intensa o alertava para a tempestade que estava por vir, mas ele, péssimo marinheiro, não moveu-se. As feridas começaram a desaparecer enquanto a floresta fazia sons , como um rugido. Os objetos irrompiam-se em chamas e o punhal vibrava em sua mão, produzindo som parecido com a vibração de uma cristal.
Começou a chuver. Ele estava paralisado. Tomado pelo medo. A mão ainda empunhando a faca, e esta ainda fincada no peito da donzela. A luz das estrelas permitia-lhe ver a natureza escarlate das gotas de chuva. A quem pertencia o sangue, se a ele ou a donzela, não saberia dizer. E, de repente, tudo parou. O sangue, o fogo, o rugido. Tudo.
A donzela não apresentava ferida alguma. Ficou admirando, sem mover a mão ou o punhal, o rosto que agora exibia a tranquilidade do sono de um infante. Ela abriu os olhos e encararam-se por um longo tempo. Sangue começou a escorrer do peito dela, que começara a contorcer-se num ritmo frenético. E o sangue dela começara a tomar as mão do cavalheiro, manchando a pele dele com máculas que antes ocupavam o rosto da donzela. Ela estava agora em pé. Ele, entretanto, lutava contra a força invisível que o aproximava e prendia-o à pedra. O corpo já completamente tomado por fétidas feridas. Adormecera com a expressão contorcida que antes vira naquele rosto outro.
Agora era ela que observava aquele que fora incapaz de salvá-la e que, matando-a, trouxe-a à vida. Sabia o que fazer: Dera as costas, atravessara a sala até a porta e saíra para nunca mais voltar.
Desde então ele não acordou, nem em vida nem em sonho. Ela vive muito bem sem jamais sonhar com ele.
E jaz agora ele, eterno, na pedra de sacrifício.

3 comentários:

  1. Meu Deus, Leandro, nem acredito que vou escrever isso, mas vou ser sincero:
    Não sei se entendi o texto. Talvez porque minha capacidade de interpretação seja pequena demais pra ele, ou porque eu simplesmente estou com coisas demais na cabeça e elas me atrapalharam a pensar. Mas (e essa é a parte mais estranha do comentário) eu gostei. Não sei exatamente por que. É como aquele filme, a Fantástica Fábrica de Chocolate. Eu não curti a história (embora tenha entendido), mas gostei do filme por causa do cenário e de como tudo parecia meio... Fantástico mesmo. Não sei se você vai me entender. Enfim, estou esperando seu próximo post, o título parece interessante.
    Abraços

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  2. haha, esse eu já conheeeço!
    E nem preciso falar que eu gosto dele néé!

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