segunda-feira, agosto 16, 2010

Narciso

Olhava para o espelho fixamente. Esse objeto sempre despertara o seu fascínio. Não importa quão polido é o vidro, quão trabalhada é a moldura, um espelho mostrará sempre o exterior. Nada mais. E era exatamente isso que o atraía tanto.

O convívio com outras pessoas sempre fora difícil. Gostava de seu espelho mais que de gente. Porque as pessoas estão sempre inquietas na busca do que há por dentro. Alma, sentimentos. Toda essa baboseira para dar um sentido à vida. Inferiores! Todos eles. Desde pequeno sempre soube que não havia nada por dentro. Somente um emaranhado de carne e sangue. E um vazio onde as pessoas buscam um sentimento.

Durante um tempo, incomodava-o muito esse vazio. Até que, numa certa manhã, reparou no espelho em frente ao qual se arrumava todos os dias. Amor à primeira vista, se ele fosse capaz de amar. Tantos ângulos e perspectivas. A verdade estava ali, o tempo todo. Não há interior. Não existe alma. Só o que existe é o que o espelho mostra. Todo o resto é uma ilusão que os fracos criam para sentirem-se mais fortes.

E começou a passar cada vez mais tempo com seu espelho. Incapaz de julgar ou mentir. Condenado a mostrar sempre o que existe. A Verdade. E o que via era sempre a mesma coisa. E descobriu que pessoas não mudam. Elas fingem. E descobriu que era muito bom em fingir. E quando tinha que passar algum tempo com a gente reles, ninguém reparava o vazio. Reparavam o teatro, o fingimento, mas não sabiam do que se tratava porque não viam a Verdade. Não eram como ele. E enquanto brincava de sentir, esperava ansioso o tempo de voltar para casa. Para seu espelho. Para a Verdade.

E agora olha pro espelho. Fixamente. Tem sido assim todos os dias. Porque, agora, nada mais importa. Somente o seu reflexo e o de todas as coisas que o cercam. O exterior. Nada mais.

Um comentário:

  1. Seus textos tem um alto teor dramático, Leandro. Mas não posso deixar de dizer que a qualidade é alta! ;)

    Parabéns!

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